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Cartografar o Outro

Cartographier l’autre

Die Kartografierung des Anderen

Mapping the Other

Cartografiar al Otro

Per una cartografia dell’Altro

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Publicado segunda, 24 de abril de 2023

Resumo

No espaço ocidental, cartografar o Outro não é uma noção prescritiva de atribuição de identidades fixas. Trata-se antes de questionar a ligação entre estas identidades interseccionais de alteridade e as especificidades de diferentes espaços ocidentais. Noutros termos, é um convite a reconsiderar o modo como o Outro se define a si próprio, de modo autónomo, nos espaços dominantes e marginais da “ordem normativa” das sociedades hegemónicas, e como é que se insere nestes espaços para deles se apropriar - pondo em causa os sistemas de opressão vigentes.

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Apresentação

O Outro visto à luz da reflexividade do sujeito-observante 

Nas abordagens disciplinares[i], o Outro é observado a partir da diferença, do desvio e do distanciamento. Certas concepções de alteridade, embora frequentemente matizadas na sua acepção, são obtusas. Aalteridade, quando se limita a arquétipos e estereótipos, é vista, construída e reconhecida de forma estreita, à luz de um solipsismo que opõe o “eu” ao “Outro”, ainda que se impunha, ao contrário, ligá-los para os definir um com o outro[ii]. Quando é essencializada, a identidade “outra” torna-se monolítica, ainda que seja simultaneamente semelhante e diferente, composta de complexidade e de intersecções. 

A identidade Outra exprime uma experiência própria vivida, uma mistura de aspirações e de desejos diversos, base da sua ipseidade e humanidade. Apesar de ter em conta a interseccionalidade que lhe pode estar inerente, a identidade perde frequentemente a sua alteridade nos discursos académicos e societais, para se encontrar de novo estática, ver esclerosada. O "risco" que corre o essencialismo[iii], quando se fala de "identidade", nomeadamente  nas ciências sociais, é de conceptualizar este Outro através de uma coisificação cómoda para a análise - uma coisificação que omitiria considerar esta experiência vivida e a sua complexidade, tanto no seio das sociedades ocidentais como através da sua própria visão do sujeito observante. O Outro não deve, neste sentido, ser “teorizado como um a priori", mas sim “re-colocado numa humanidade que [o sujeito-estudo, e a fortiori o sujeito-observante] experimentou"[iv]. 

No entanto, é em torno desta vivência, sempre movediça, que a identidade Outra se constrói, em ligação com a capacidade de agir ("agency") num quadro determinado, geralmente num espaço dado ao qual este Outro está circunscrito. Nestes casos, uma vez que o Outro se encontra contido no espaço (ao qual é estranho ou, pelo contrário, do qual é inseparável), é abordado através da "sobredeterminação", nomeadamente quando é oriundo de minorias[v]: o Outro é privado da sua liberdade de se definir, é-lhe retirada[vi] a humanidade, conduzindo-o à alienação referida por Fanon.     

Espaço e dominação

O Outro pode, por conseguinte, ser fabricado através de um afastamento, real ou simbólico, que se traduz pela distância/distanciamento geográfico, o qual está correlacionado com as diferenças étnico-raciais, linguísticas e/ou culturais que esse desvio pode implicar. Este Outro desvia-se então da norma social dominante para ocupar uma ou várias posições minoritárias (identidades de género, sexuais, étnico-raciais, culturais, etc) que marcam o desvio - um desvio que é tanto mais importante quanto as categorias se cruzarem na sua identidade. Na época colonial, por exemplo, as sociedades não europeias eram hierarquizadas e/ou desprezadas[vii] em função de uma territorialização exótica do Outro:  o espaço exterior (ailleurs) tornou-se-lhe “consubstancial”[viii], e a sua posição geográfica um factor de identificação que os movimentos migratórios não apagam. 

Nas sociedades patriarcais ocidentais contemporâneas e/ou heteronormativas, as reivindicações de pessoas minorizadas (pessoas racializadas, LGBTQ+, mulheres, "estrangeiros", etc) são sentidas pelo organismo dominante como ataques às normas morais e sociais. Esta marginalização (que não toma em consideração as intersecções das suas identidades) conduz à criação de outros lugares, de novas “heterotopias”[ix], que se tornam espaços de intercâmbio e santuários de desenvolvimento identitário. Trata-se para estes Outros de forjar identidades segundo os seus próprios termos, utilizando, por vezes, a auto-narração[x] para se reinventarem. O Outro, visto pelos grupos dominantes como sujeito de ódio, de exclusão e de outras formas de discriminação, repensa-se de forma mais complexa, quando a alteridade e a identidade estão associadas. Afasta-se da negociação da sua identidade - adoptada apenas em determinados domínios (o "entretenimento" das populações latino-americanas nos Estados Unidos, por exemplo[xi]) - para reivindicar a sua integridade. É neste sentido que o território geográfico pode correlacionar-se com a construção do Outro, uma vez que permite fabricar identidades individuais interseccionais, sejam elas nacionais, narrativas, de género, de sexualidades, de etnia e raça, de classe, de orientação sexual, de idade, de cor, de culturas e tradições, de religião, de integrações, de exclusões, etc[xii]. Se é possível pensar o Outro pelo prisma das relações de dominação nas sociedades ocidentais, a noção de espaço é fundamental na sua criação. Os espaços geográficos, claro, mas também os espaços sociais, morais, políticos, culturais ou mesmo temporais, são factores que contribuem para a criação da noção de alteridade; o espaço é, por conseguinte, “simultaneamente, um meio de produção, um meio de controle, e por isso de dominação e de poder[xiii]”.  

Identidades interseccionais no espaço: os desafios de uma cartografia

No espaço ocidental, cartografar o Outro não é uma noção prescritiva de atribuição de identidades fixas. Trata-se antes de questionar a ligação entre estas identidades interseccionais de alteridade e as especificidades de diferentes espaços ocidentais. Noutros termos, é um convite a reconsiderar o modo como o Outro se define a si próprio, de modo autónomo, nos espaços dominantes e marginais da "ordem normativa"[xiv] das sociedades hegemónicas, e como é que se insere nestes espaços para deles se apropriar - pondo em causa os sistemas de opressão vigentes. Por exemplo, a teorização do espaço nas comunidades africanas-americas é definida pelo gueto, sendo este um lugar ambivalente de “ódio de si próprio” e de orgulho[xv], e que marca a concepção das identidades africanas-americanas nesse espaço. Gueto que é visto, simultaneamente, como um espaço fechado contendo os párias negros, lugar alegórico de ostracismo, local simbólico de coesão comunitária, mas também como um espaço de produção do cliché do “gangster rapper” que fascina “os adolescentes da burguesia do mundo inteiro”[xvi]. Esta teorização do espaço pode ser encontrada em vários domínios, sejam eles artísticos, sociais, políticos, ou outros. 

Numa época de globalização das crises migratórias, numa altura em que as pessoas minorizadas fazem ouvir cada vez mais as suas vozes, e que a noção do Outro pode parecer datada no discurso académico quando oposta às identidades interseccionais, revela-se urgente continuar a examinar esta construção do Outro nas sociedades contemporâneas. Assim, uma vez que estão em perpétuo movimento, é necessário observar e estudar a forma como estas identidades se constroem, em resposta às injunções da sociedade dominante em que evoluem. Identidades e alteridades podem-se encontrar-se numa união em que não sejam exclusivas umas das outras. 

Face a estas observações, numerosas questões permanecem sem resposta: qual é o significado dado a estes espaços na construção das identidades interseccionais? Que recursos são utilizados para conter a aporia da cartografia como instrumento restritivo, força de discriminações e de dominação? De que instrumentos conceptuais contemporâneos nos servimos para melhor compreender o sujeito outro no espaço; como é que este os utiliza para se construir a si próprio? De que modo o aspecto performativo destas identidades[xvii] entra em linha de conta nesta ligação ? Estas interrogações, que não são limitativas, propõem pistas para re-interrogar a relação do Outro com o espaço, na confluência das artes, dos factos sociais, ou da história e civilização, a fim de dar conta destas ligações.

Sendo Quaderna uma revista transdisciplinar, os artigos deverão privilegiar o cruzamento de várias disciplinas e de várias áreas geográfico-culturais (inglesa, francesa, alemã, espanhola, italiana e portuguesa).

Submissão de propostas

As propostas (250-300 palavras + título, corpus e algumas fontes) e uma breve nota biográfica devem ser enviadas para Yannick Blec (yannick.blec@univ-paris8.fr)

o mais tardar até 15 de Junho de 2023.

Os artigos (entre 3.500 e 6.000 palavras) devem ser entregues até 15 de Novembro de 2023.

Os artigos passam por um processo duplo cego de revisão por pares.

Comissão editorial

  • Yannick Blec (Université Paris 8),
  • Vincent Broqua (Université Paris 8),
  • Olivier Brossard (Université Gustave Eiffel),
  • Carline Encarnación (U. Toulouse Jean-Jaurès),
  • Camille Joseph (Université Paris 8),
  • Sylvie Le Moël (Sorbonne Université),
  • Xavier Lemoine (Université Gustave Eiffel),
  • Guillaume Marche (UPEC),
  • Alejandro Román Antequera (UPEC),
  • Sylvie Toscer-Angot (UPEC),
  • Graciela Villanueva (UPEC),
  • Dirk Weissmann (U. Toulouse Jean-Jaurès),
  • Beatrice Laghezza (Université Paris 8)
  • Baptiste Lavat (UPEC)

Notas

[i] Para uma melhor compreensão  da diferença entre abordagens disciplinares e transdisciplinares cf. por exemplo Jean-Paul Rocchi, “L’art de la discipline, une introduction”, Quaderna 3, 2016. https://quaderna.org/3/lart-de-la-discipline-une-introduction/.      

[ii] Paul Ricoeur, Soi-même comme un autre, Paris, Seuil, 1990.

[iii] Segundo uma fórmula de Diana Fuss, Essentially Speaking: Feminism, Nature & Difference, NY, Routledge, 1989.

[iv] Jean-Paul Rocchi, “En Exorde : The Other Bites the Dust. La mort de l’Autre : vers une épistémologie de l’identité”, Cahiers Charles V “L’objet identité : épistémologie et transversalité” 40, 2006, p. 37. Em itálico no texto.

[v] Frantz Fanon, Peau noire, masques blancs, Paris, Seuil, 1952, p. 93.

[vi] Ibid. p. 91-92.

[vii] Angelo Turco, “Altérité”, Dictionnaire de la géographie et de l’espace des sociétés, dir. Jacques Lévy et Michel Lussault, Paris, Belin, 2013, p. 70. 

[viii] Ibid., p. 71. 

[ix] Michel Foucault, “Des espaces autres” (1984), Dits et écrits, II (1976-1988), Michel Foucault, Paris : Quarto Gallimard, [2001] 2017, p. 1574-1575.

[x] Arnaud Schmitt, “La perspective de l’autonarration”, Poétique 149, 2007 1, p. 24.

[xi] Ramón H. Rivera-Servera, Performing Queer Latinidad: Dance, Sexuality, Politics, Ann Arbor, University of Michigan, 2012.

[xii] Adoptámos a lista das categorias identitárias de Kimberlé Crenshaw, “Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and Violence against Women of Color”, Stanford Law Review 43/6, Jul. 1991, p. 1244.

[xiii] Henri Lefebvre, La production de l’espace, Paris, Anthropos, 1981, p. 35.

[xiv] Nicole Ramognino, “Normes sociales, normativités individuelle et collective, normativité de l’action”, Langue et société 119 1, 2007, p. 20. https://doi.org/10.3917/ls.119.0013.   

[xv] Loïc Wacquant, “Ghetto”, International Encyclopedia of Social & Behavioral Sciences, 2nd edition Vol. 10, Oxford, Elsevier, p. 125. Traduction nossa. 

[xvi] Ibid.

[xvii] Judith Butler, Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity, NY, Routledge, (©1990), 2007. 


Datas

  • quinta, 15 de junho de 2023

Palavras-chave

  • cartographie, autre, identité

Contactos

  • Yannick Blec
    courriel : yannick [dot] blec [at] univ-paris8 [dot] fr

Urls de referência

Fonte da informação

  • Yannick Blec
    courriel : yannick [dot] blec [at] univ-paris8 [dot] fr

Licença

CC0-1.0 Este anúncio é licenciado sob os termos Creative Commons CC0 1.0 Universal.

Para citar este anúncio

« Cartografar o Outro », Chamada de trabalhos, Calenda, Publicado segunda, 24 de abril de 2023, https://doi.org/10.58079/1b09

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